Para o homem primitivo, havia uma infinidade de deuses: um
deus para cada espécie animal e um para cada fenômeno da natureza, bem como
cada astro que brilhava no céu seria um deus.
As coisas mudaram e até os deuses, mas deus não saiu de todo
da cabeça do homem. Antigos persas chegaram a uma conclusão mais redutiva dos
deuses. Deveria haver somente dois: Masda, o deus do bem, que teria criado tudo
de bom, e Arimã, o deus do mal, que teria feito tudo que é ruim. E as mudanças
não pararam por aí. Posto que circundados de povos adoradores do deus boi
(baal) e uma multidão de outros, os hebreus deixaram aquela multidão divina e
passaram a adorar um único deus, Yavé, criador de tudo, do bem e do mal. Hoje,
quase não se vêem outros deuses. Yavé dominou o espaço divino tão amplamente,
que para a maior parte do mundo ele ate perdeu o antigo nome, sendo conhecido
simplesmente como “Deus”, por eles não acreditarem que existam os outros.
Todavia, até podemos também dizer: “Deus não é mais o
mesmo”:
Está na hora de vocês levarem a sério e irem a um museu de
Historia Natural e descobrir que o Theosaurus: nome dado a um fóssil-Deus
encontrado em Jerusalém, descendente direto do Allahsaurus foi morto pela
razão. Aposto que vocês devem estar se perguntando onde fica o cemitério dos
deuses mortos? Este cemitério não existe por que não existem deuses e mesmo se
existissem seriam imortais segundo vocês que os criam! Houve uma época em que
Júpiter era o rei dos deuses e qualquer homem que duvidasse de seu poder era
ipso facto um bárbaro ou um quadrúpede. Haverá hoje um único homem no mundo que
adore Júpiter? E que fim levo Huitzilopochtli? Em um só ano e isto foi há
apenas cerca de quinhentos anos, 50 mil rapazes e moças foram mortos em
sacrifício a ele. Hoje, se alguém se lembra dele, só pode ser um selvagem
errante perdido nos cafundós da floresta mexicana. Falando em Huitzilopochtli,
logo vem à memória seu irmão Tezcatilpoca. Tezcatilpoca era quase tão poderoso:
devorava 25mil virgens por ano. Levem-me a seu túmulo: prometo chorar e
depositar uma couronne des perles. Mas quem sabe onde fica? (...) Arianrod,
Nuada, Argetlam, Morrigu, Tagd, Govannon, Goibniu, Gunfled, Odim, Dagda, Ogma,
Ogurvan, Marzin, Dea Dia, Marte, Iuno Lucina, Diana de Éfeso, Saturno, Robigus,
Furrina, Plutão, Cronos, Vesta, Engurra, Zer-panitu, Belus, Merodach, Ubililu,
Elum, U-dimmer-an-kia, Marduk, U-sab-sib, Nin, U-Mersi, Perséfone, Tammuz,
Istar, Vênus, Lagas , Belis, Nirig, Nusku, Nebo, Aa, En-Mersi, Sin, Assur,
Apsu, Beltu, Elali, Kusky-banda, Mami, Nin-azu, Zaraqu, Qarradu, Zagaga, Ueras.
Peça ao seu padre que lhe empreste um bom livro sobre religião comparada: você
encontrará todos eles devidamente listados. Todos foram deuses da mais alta
dignidade – deuses de povos civilizados –, adorados e venerados por milhões.
Todos eram onipotentes, oniscientes e imortais. E todos estão mortos.” (Henry
Louis Mencken).
A forma como encaramos Deus é, felizmente, mutável. Ishtar,
Afrodite, Mitra, Wotan e vários outros panteões foram esquecidos.
Portanto, uma aldeia ter-se-á limitado a dizer: Há uma
potência que troveja, que atira neve sobre nós, que faz morrer nossos filhos:
acalmemo-la; mas como? Vemos que acalmamos com pequenos presentes a cólera das
pessoas irritadas: façamos pois pequenos presentes a essa potência. É também
preciso dar-lhe um nome. O primeiro que se oferece é o de Chefe, Dono, Senhor;
essa potência é pois chamada Senhor. É provavelmente a razão pela qual os primeiros
egípcios chamaram ao seu deus Knef; os sírios, Adonai; os povos vizinhos, Baal
ou Bel, ou Melch, ou Moloch; os citas, Papeu: palavras que significam Senhor,
Mestre.
É um recurso bastante utilizado por eles, religiosos, para
infundir o medo nas pessoas, ou convencê-las da necessidade de uma crença em
seres imaginários, de que precisam adorar um deus ou um jóquei de jegue para
que não sejam punidos por pensar, raciocinar, blasfemar, duvidar, criticar,
etc.
No vasto cemitério chamado passado, está a maior parte das
religiões do homem, e lá, também, estão também quase todos os seus deuses. Os
templos sagrados da Índia já são ruínas há longo tempo atrás. Sobre colunas e
cornijas; sobre as paredes desenhadas e pintadas, vicejam e se espalham plantas
trepadeiras. Brama, o ouro, com quatro cabeças e quatro braços. Vishnu, a
sombra, o que castiga os maus, com seus três olhos, seu crescente, com seu
colar de crânios; Shiva, o destruidor, vermelho com mar de sangue; Kali, a
deusa; Draupadi, com braços brancos; e Krishna, o Cristo, todos se foram e
deixaram o trono dos céus abandonados. Ao longo da beira do sagrado Nilo, Ísis
não mais vaga chorando, procurando o defunto Osíris. A sombra da carranca de
Tifon não cai mais nas ondas. O sol nasce como outrora, e seus raios dourados
ainda atingem os lábios de Menon, mas Menon está tão mudo quanto a Esfinge. As
múmias empoeiradas ainda esperam pela ressurreição prometida pelos sacerdotes,
e as velhas crenças registradas em curiosas pedras esculpidas, dormem no
mistério de uma língua morta e perdida. Odin, o autor da vida e da alma, Vili e
Ye, e o poderoso gigante Ymir, debandaram há muito tempo das geladas paisagens
do norte; e Tor, com luvas de ferro e sua clava flamejante, não mais esmaga
montanhas. Os antigos círculos e cromeleques dos druidas estão quebrados;
caídos nos ermos das montanhas e cobertos com musgos de séculos. Os fogos
divinos dos astecas e da Pérsia se extinguiram nas cinzas do passado, e não há
mais ninguém para reacendê-lo ou alimentar as chamas sagradas. A harpa de Orfeu
está silenciosa; o caneco derramado de Baco foi deixado de lado; Vênus jaz
morta, de pedra e seu seio branco não mais pulsa de amor. As correntezas ainda
passam, mas não há mais naiads para tomar banho; as árvores ainda balançam, mas
nas clareiras da floresta nenhuma driad dança. Os deuses fugiram do monte
Olimpo. Nem mesmo a mais bela das mulheres pode fisgá-los de volta.
Desaparecidos para sempre estão os trovões do Sinai; perdidas estão as vozes
dos profetas, e a terra, antes fluindo com leite e mel é agora um deserto. Um
por um os mitos se desvaneceram com as nuvens: um por um, os fantasmas
desapareceram, e um por um, fatos, realidade e verdades tomaram seu lugar. O
sobrenatural praticamente sumiu, mas o natural persiste. Os deuses voaram, mas
o homem está aqui.
Nações, como indivíduos, têm seus períodos de juventude, de
maturidade e declínio. Religiões também. O mesmo destino inexorável aguarda
todas elas. Os deuses criaram, mas as nações devem perecer com seus criadores.
Elas foram criadas por homens, mas como homens, elas devem desaparecer. As
divindades de uma era são a matéria prima dos próximos. A religião dos nossos
dias e do nosso país não está mais isenta de gozação daqueles que virão no
futuro do que os outros. Quando a Índia resplandecia, Brama triunfava no trono
do mundo. Quando o cetro passou para o Egito, Ísis e Osíris receberam as
homenagens da humanidade. A Grécia, com seu valor, tornou-se império e Zeus se
tornou a autoridade. O mundo tremeu com a ameaça dos intrépidos filhos de Roma,
e Jove agarrou com as mãos os raios do céu. Roma caiu, os cristãos, no seu
território, com a espada vermelha da guerra, dominaram as nações do mundo, e
agora Cristo senta sobre o velho trono. Quem será seu sucessor?
O Artigo abaixo é tradução de um trabalho de Robert Green
Ingersoll, realizada por Afonso M. C. Amorim que, gentilmente, ofereceu como
colaboração à MPHP.
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A publicação em português está formalmente autorizada pela Internet Infidels. Inc., que inclusive disponibilizou um link para a MPHP em seu site.
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ENSAIOS DE ROBERT G. INGERSOLL
OS DEUSES (1872)
"Um Deus honesto é a mais nobre realização do homem"
Tradução: Afonso M. C. Amorim
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OS DEUSES (1872)
"Um Deus honesto é a mais nobre realização do homem"
Tradução: Afonso M. C. Amorim
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